foto de uma menina de 7 anos na birmânia, ela está vestida para seu casamento.

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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Lá No "Varal de Casa"


Deixo aqui as impressões de um mero espectador.


Como leitor, vejo O Varal de Casa como um tipo de materialidade teatral dos tormentos. Somos feitos das marcas que habitam em nós. Cada personagem do Varal é uma fusão de marcas. Marcas de doces amores brutalizados pelo machismo que transforma a mulher e a família do patriarca em posse.
Amargamente Mariano descobre que a morte física do outro não é a morte da memória. Eis porquê eu e você somos "nós". Ao que parece, a roleta russa é na verdade a expressão da brutalidade contra a dor de viver destruindo, passo a passo, a importância do outro na própria vida. Amores, sonhos, fé, prazer; tudo é mitigado a cada estourar do tambor de um revólver crucificante.
Não há como não identificar Dona Laura, Alice e Mariano com uma simbióse, impressão esta que se retrata na cena inicial do parto. E não importa se isto se passa apenas na mente de uma das personagens. O desespero de Mariano o leva a apagar cada traço de dor de seus amores brutos, findando por apagar-se também. O Varal de Casa também fala da fuga de si mesmo.
Quem assiste a superposição de micro-eventos no desenrolar das cenas, onde o jogos de luzes parece dar uma arte-final à essa construção, poderia facilmente associar com as memórias recorrentes de um trastorno obssessivo.
Você já limpou alguma vez as suas cagadas?  - O desespero de Mariano na face do ator, um misto de choro e pânico. Laura é a entidade do carinho por Mariano mas também aquela que se vê em cheque por ver seu amado ferir e estuprar sua pequena Alice, buscando uma resignação insuportável. Alice, por sua vez é a sede de sangue , é a vingança travesida de justiça, ou vice-versa. É também a mais submetida pois deve obdiência e amor à mãe e ao pai. Mas Alice é, curiosamente, a questionadora e a mentora.  Como pode manter um amor para com um homem que dilacerou seus sonhos, passando por cima das dores da mãe e das dela também - Chego a ver um conflito de identidades dentro de Alice.


Mas quando penso que tudo se passaria dentro de Mariano, me pergunto como ele poderia nutrir algum amor prórpio? É interessante que ele voltou para a casa onde viveu com elas, depois de assassiná-las - Por que você voltou !? - Aquelas paredes ficaram impregnadas, assim como o ser dele, das sombras e espíritos de Laura e Alice. Sombras histéricas e deformadas.

Vejo O Varal de Casa como um testemunho muito bem dirigido e bem interpretado das dilaceração do outro que opera em nossa cultura, essencialmente machista. Onde um indivíduo venha a conceber-se quase onipotente, fazendo dos outros objetos de posse, e tornando-se sua propria ruína.

(Esse texto foi publicado em 12/12 de 2011, na época da primeira temporada do Varal de Casa.)

Nesse momento, Maio de 2012, tive o prazer de ser surpreendido por um Varal de Casa completamente diferente. O primeiro era um espetáculo simplificado sem perder a sua força e profissionalismo. O Festival de Teatro de Curitiba teve o prazer de acolher a primeira versão e serem inquietados por este belo trabalho.

Ontem lá fui eu rever meus amigos no palco, dessa vez Willams Costa somente dirigiu, o papel de Dona Laura ficou com João Guilherme de Paula. Junior Foster (Mariano) e Adilson Di Carvalho (Alice) seguiram como antes.

O Varal de Casa é uma fênix, é um novo espetáculo que germinou de suas cinzas. O uso do palco e de novos elementos tornou a peça muito mais dinâmica e envolvente, a sonoplastia de Márcio Andrade cai como uma luva, Cleison Ramos também mostra a qualidade de seu trabalho na iluminação, os executores de som e luz fazem jus ao trabalho de seus colegas, em todas as sincronias

Sem perder a mesma essência. Ao ler este texto meses depois e depois de ver a segunda versão, tenho a exata certeza de que é O Varal é o O Varal. Mas não há dúvidas de que a peça amadureceu muito, os atores também, sem dúvida a contribuição de Emerson Deyvison, o autor do texto, foi crucial. Mas a direção e a competência dos atores em darem vida ao Varal de Casa, são formidáveis.

Comentaria apenas uma ou duas coisas em relação à sua nova versão. Os elementos que remetem a dimensão religiosa da cultura e ambiente social, em que a família tradicional do interior está inserida, se fazem mais presentes. Símbolos da tradição Cristã Católica aparecem fazendo alusão a coisas mais profundas, mera objetividade não daria conta de sua compreensão. Um espectador mais provinciano poderia horrorizar-se. Lembremos que o teatro é sim profano.

Quero chegar ao ponto de que vejo os elementos religiosos dentro da dramaturgia como aqueles que comunicam a incapacidade da comunhão daqueles que se destroem. A religião, especialmente a cristã, tem um senso comum-união muito forte, a comunhão é o centro de toda a fé Católica, são só o sacramento da Eucaristia em si. A fé foi absolutamente incapaz de unir aquelas pessoas, não havia amor, mas sim ódio, tormento. Aquela família era incapaz de comer do mesmo pão, pão da Palavra nunca os alimentou, por mais que repetissem tal ritual. Emerge assim como um antagonismo, uma busca arruinada. Toda a ordem e paz foi tirada e arrancada pelos crimes de Mariano.
Acredito que os elemento religiosos também nos comuniquem o sacrifício, a redenção, a libertação, a entrega de si próprio à morte. Vejo, talvez de maneira alegórica, essa impressões através do elemento da Cruz em cena. Temo pela banalização do sentido da religião e de sua importância, mas não acredito que esse seja o sentido do uso dos elementos religiosos no texto da peça.

Fico muito feliz de assistir e me emocionar com o trabalho de meus amigos. Definitivamente o Varal de Casa é o tipo do teatro para nos tirar da zona de conforto e nos trazer a realidade e a dor do nosso mundo. O Varal de Casa comunica a barbárie de nossa sociedade e seus efeitos para a pessoa humana. A peça é uma alegoria da destrutividade, e da auto-destrutividade também. O Teatro Joaquim Cardozo está de parabéns por acolher pela segunda vez ele belo espetáculo.

Meus parabéns a Willams Costa, Adilson Di Carvalho, Junior Foster, João Guilherme de Paula, Anderson Damião, Márcio Andrade, Cleison Ramos, e todas as outras pessoas envolvidas na produção do Varal de Casa.


Túlio Miranda.

Teatro Joaquim Cardozo Ufpe


Sextas e Sábados / 20:30hs
de 04 de Maio a 30 de Junho
Texto: Emerson Deyvison
Direção: Wıllams Costa
Elenco: Adilson Di Carvalho, Júnior Foster e João Guilherme de Paula.
Figurino e Maquiagem: Adilson Di Carvalho
Iluminação: Cleison Ramos
Operação de Luz: Cleison Ramos e Carolina Correa Lira
Sonoplastia: Márcio Andrade
Operação de som: Anderson Damião
Cenário: Willams Costa
Realização: Coletivo Âmbar de Teatro

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