foto de uma menina de 7 anos na birmânia, ela está vestida para seu casamento.

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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

? O homem não presta ?



 Onde estão as coisas selvagens? ... (where are the wild things) ?


Durante os últimos dias eu procurei refletir sobre um tema que me preocupa, especialmente por ser recorrente em algumas conversas que tive com alguns amigos. Às vezes percebo que algumas pessoas acreditam ou se comportam como se alguém pudesse ser absolutamente mau ou perverso, ou que pudesse nascer irremediavelmente corrompido.

 Este tipo de conceito em relação à natureza ou ao comportamento natural das pessoas envolve fatores delicados, mas é importante fazer notar que tal atitude é muito perigosa para a sociedade e que atitudes similares já tiveram efeitos de morte, ou genocídio, em outros momentos da história.

Acredito que uma das marcas mais antigas dessa forma de pensar é a idéia cristã de que o homem já nasce pecador. Meu objetivo não é contestar teologicamente esse conceito, mas o fato de que uma pessoa possa nascer capaz de cometer delitos não significa que ela é má na sua natureza. Significa, na verdade, que tal pessoa é naturalmente livre e pode escolher deliberar a favor ou contra qualquer lei.


Por muitos séculos se acredita que o homem tem instintos básicos e que a sociedade nunca poderá eliminá-los, então a tarefa da sociedade e da cultura seria de educar, ou de domesticar as pessoas, quase selvagens. Freud é um dos estudiosos modernos que opera com um conceito similar a este. Para ele há um constante mal-estar entre a natureza humana e a natureza da sociedade. Todos os homens necessitam que todos seus desejos sejam saciados, mas isso implicaria no desfavorecimento dos outros da comunidade, assim é preciso que haja uma alternância equilibrada entre prazer e frustração ("des-prazer") para que a sociedade e a cultura se sustentem. Por isso a sociedade seria uma coisa anti-natural para a humanidade, mas cada pessoa depende da sociedade por não ser auto-suficiente e para que cada um possa assegurar sua sobrevivência e seus prazeres se vê obrigado a um participar de um tipo de "jogo de interesses", onde a relação básica de aproximação humana teria uma justificativa visionária, egoísta. Acredito, contudo, que é preciso ter calma na hora de assumir certas conclusões. Nem todos os psicanalistas sociais, mesmo tem fortes bases freudianas, concordam com esse pensamento de Freud.













“Puxa o facão, risca o chão
Que sai centelha
Porque tem vez
Que só mesmo a lei do cão” ... (Lenine – Candeeiro Encantado)



Ainda há outro pensador que acho importante citar, Tomas Hobbes, esse camarada inventou de dizer que a natureza humana é violenta. Que a base da relação humana é a força, ou mesmo, a agressão, que tal disputa permite a individualização das pessoas, afinal cada um lutaria por si ou por interesses próprios. O homem não é, para Hobbes, naturalmente sociável, a organização da sociedade em torno do mais forte se dá por interesses pessoais. Essa dedução justificaria o mau comportamento das crianças, dos criminosos, a necessidade de guerras e a importância das punições violentas.
No Cristianismo existe também uma compreensão desse tipo. Na Igreja Católica  atesta-se em seus ensinamentos que o homem, pela sua natureza, é naturalmente inclinado para o pecado, é naturalmente mal. No mundo protestante de herança Calvinista e Luterana existe também essa dimensão de que a conversão do pecador e a sua submissão a Deus é o que purifica o homem, mas não elimina dele a maldade natural. Em palavras breves, é dizer que: O homem precisa ser santificado por Deus por quê é pecador e peca porque não presta. O Pecado Original é muitas vezes um dos maiores argumentos para isso. 
Pode-se dizer que os espiritas escapam desse bojo por acreditarem que as pessoas todas estão destinadas a evoluir e se tornarem grandes seres de luz, contudo me fica um dúvida (justo por não entender de espiritismo): No ato da gênese dos espíritos, são eles de luz ou de trevas? - Se são de trevas, seriam gerados naturalmente mal; se são de luz, como explicam a queda, se é que há queda? - Contudo, me parece que os espiritas tem uma tendencia maior a ver o ser humano como um ser naturalmente bom, embora possa estar equivocado.

O desejo sexual, por exemplo, ainda é visto como uma necessidade animalesca das pessoas, um tipo de perversão que não pode ser tirada das pessoas. O sexo pode ser visto como algo indigno e sujo, um pecado abominável e confundido com o pecado original, umas das coisas que o homem não poderá escapar por ter uma necessidade natural de entregar-se a perdição da carne. Aí estaria a justificativa do casamento cristão, que seria a única forma de um casal fazer sexo sem ofender a Deus, ou sem condenar mais ainda suas almas ao inferno. - Felizmente as igrejas cristãs estão aos poucos aprendendo a reorganizar este conceito, mas ainda é possível ouvir coisas absurdas como esta.

Embora teorias como estas já sejam rejeitadas por estudiosos nos dias de hoje, um dia elas fizeram parte das cartilhas educacionais e inspiraram leis de vários países, gerações inteiras se organizaram através destas concepções, o que se reflete no comportamento e o senso comum das pessoas das gerações atuais. Mas acho que é importante também observar que as pessoas são levadas a pensar assim por que boa parte da nossa cultura se estabelece pela valorização da força masculina (violenta) e da razão instrumental.

Se paramos pra pensar um pouquinho perceberemos como muitos dos nossos valores ocidentais se baseiam na força, na violência e na morte, por conseqüência. Os gregos ainda são admirados como a grande civilização mãe do ocidente e é dela que gostaria de tomar alguns exemplos.


Na cosmogonia, a origem dos deuses ou do cosmos, dos gregos. De si mesma Gaia gera seu marido, Urano, que tem vários filhos com ela, os titãs, e aqui os problemas começam. Urano oprime alguns de seus filhos e os aprisiona (atos de violência), Chronos se rebela e mata o pai, mas este último profetiza que Chronos também morrerá pelo seu sangue. Por isso Chronos engole todos seus filhos após o nascimento deles, até que Zeus nasce escondido e depois de crescido dá ao pai uma poção para que vomite seus irmãos e uma guerra se inicia até que Chronos seja vencido. Zeus a partir daí impera como o senhor do Olimpo, fez-se senhor pela força, pela violência. O mito tem uma função muito forte de compreensão da realidade humana quando abordado de maneira alegórica, ele revela de maneira intuitiva uma verdade. Contudo, durantes gerações poucas pessoas foram capazes de compreender os ensinamentos dos gregos contidos em seus mitos. Muitos detiveram-se à sedução que o fantásticos oferece. Ou seja, fica-se na superfície sensual sem penetrar na endoderme reflexiva do mito.

Mais adiante teremos muitos outros grandes mitos e figuras. Ares, o deus da guerra, ou Hércules, o semi-deus imbatível. Prometeu que rouba fogo para dá-lo a humanidade e é punido com uma violência interminável da águia que come seu fígado que havia se regenerado à noite. Alexandre da Macedônia que alegava ser descendente direto de Hércules e é intitulado "o grande" por ter movido uma guerra que matou incontáveis pessoas de sua nação de das outras que venceu. Roma também se faz admirar pelos seus grandes generais e temidos exércitos. Napoleão fez fama como grande general, inspirado em Alexandre. Na época do renascimento e iluminismo, muitos dos valores e mitos helênicos e românicos foram "re-nutridos".


(abrindo um parêntese) É engraçado como muitas pessoas tem certa idolatria pelos gregos sem mesmo procurar interpretar o significado de sua cosmogonia ou de mesmo perceber que os gregos nem foram tanta coisa assim. Um dia um amigo meu muito espírita me disse que havia um planeta ou lugar do além para onde os gregos tinha ido por terem sido grande civilização e depois de inúmeras reencarnações teriam alcançado alto nível espiritual. Não quero contestar o espiritismo, mas me recuso a acreditar nisso, me parece muito mais com uma mania evolucionista de achar que os gregos eram “os Caras” e que a civilização toda foi redimida, mal sabem muita da evolução grega deu-se através de processos violentos. Os grego criaram a Filosofia, mas foram os gregos que ordenaram Sócrates a beber cicuta como punição. Falar que os Gregos eram um povo ou raça evoluída é, no mínimo, saber muito pouco de História e de Filosofia. Admiro certos aspectos do Espiritismo, mas certas coisas me parecem charlatanice barata para fazer do mundo espiritual um mundo da fantasia.
 Pra mim, parece muito mais um culto ao Poder. Se a Grécia foi a sociedade perfeita, se chamou Utopia, o não-lugar (parêntese fechado)

(Retomando) Hoje a maioria dos filmes e seriados de sucesso são violentos. Os jogos mais aclamados e vendidos são violentos. Um país é temido em razão sua força econômica e militar. As atuais configurações políticas devem-se em grande parte ao desfecho de importantes guerras como a conquista da América a partir do século XVI, a Guerra dos 30 anos, a Primeira e Segunda Grande Guerra. A lei ocidental se apresenta quase sempre como uma mediadora da força, mais especificamente da violência. É recorrente o uso da pena de morte em vários países; o aborto aparece como medida nazista de seleção utilitária das pessoas, reduzindo seu valor a sua aparente capacidade natural; ou os pais que educam seus filhos de maneira excessivamente punitiva. É inegável a presença da barbárie no gérmen da civilização, o processo civilizatório é violento. E chego a acreditar que na totalidade das civilizações há o culto do Poder Violento em seu cerne.













“Enquanto a faca não sai
Toda vermelha
A cabroeira
Não dá sossego não” ... (Lenine – Candeeiro Encantado)



A violência está tão presente na história da humanidade que as pessoas terminam naturalizando a violência como algo que já nasce no ser humano como algo que satisfaz seus desejos mais animalescos, assumindo que são seres perversos. As vezes tão argumento serve para excluir uma etnia como incapaz ou indigna, religiosamente ou politicamente, por sua inclinação natural para a violência. Acredito que é preciso tomar muito cuidado para não cair nesta armadilha da satanização das pessoas, naturalizar a existência do mal, ou da iniquidade, é talvez a atitude mais perigosa e autodestrutiva que podemos tomar. Acredito que isto possa ser um tipo de mecanismo de defesa contra o desespero, ou a impotência, para que possamos conviver com tal realidade para evitar a histeria total, mas o efeito é pior.  



Na nossa cultura a violência está claramente vinculada ao poder, como expressão de domínio, coerção, é a manifestação do poder destrutivo e restritivo que foi muitas vezes utilizado para fundar ordens sociais que já existiram que ainda existem, ou instituições como o as Forças Armadas. Mas a violência não é a única manifestação de poder, o poder pode não ser violento ou perverso. As manifestações da vida humana possuem várias expressões de poder, algumas delas tomam por base a aceitação e união produtiva ao outro, diferente e desconhecido - a alteridade - e não se manifestam de maneira violenta. Mas a negação do outro dentro si, ou o desejo de destruição de sua liberdade ou integridade, já se faz violência em primeira instância, para mais tarde materializar-se.

Mas é preciso observar também que o desejo de poder está, às vezes, ligado a sensação de medo. Um animal quando se vê ameaçado foge e quando não consegue fugir ele ataca. O ser humano reage de maneira similar, ao sentir-se impotente ou ameaçado procura lançar mão de algum esforço para assegurar sua sobrevivência ou o êxito de algum interesse seu. Tal comportamento tanto dos animais como dos humanos, expressa muito mais a importância de conservação da vida que se manifesta nos instintos do que uma possível tendência natural para a violência ou para o mal. E mesmo em casos como estes há um conflito do sujeito com o outro.

Embora isso pudesse explicar o uso da violência como no caso da caça ou da legitima defesa, não encerra os pontos a serem observados. Especialmente porque a pessoa humana não se limita a seus impulsos instintivos, assim, assumir aquela postura seria cair mais uma vez no fatalismo, ou naturalismo. E ser capaz de identificar a violência como um problema de alteridade não deve se tornar uma justificativa para naturalizar a ideia de que o homem é incapaz de viver bem com os outros. Ainda que Sartre fale "L'enfer, c'est les autres" (o inferno são os outros) é preciso perceber quão circunstancial é esta afirmação.

Talvez a primeira experiência de violência das pessoas seja o parto, somo expulsos do lugar mais seguro do mundo, e depois vão lá e cortam o nosso “link” com a mãe. Na sequência temos que viver como pessoas isoladas, temos que nos fazer indivíduos. A ausência do outro se torna angústia e traz a solidão. E mesmo com essas sensações de vazio temos que nos ajustar as regras e determinações da sociedade, nos ajustar, desempenhar nossos papéis na medida em que buscamos solucionar o problema da solidão, da separação.



“Desde os primórdios até hoje em dia.
O homem ainda faz o que o macaco fazia.
Eu não trabalhava, eu não sabia.
O homem criava e também destruía.
Homem Primata!
Capitalismo Selvagem !”   ... (Titãs – Homem Primata)







Assim com o Adão é expulso do paraíso por achar que pode viver sem Deus, a criança é expulsa do ventre para viver sem a mãe. Ser só coloca-nos livres em parte e exige que sejamos capazes de usar essa liberdade para superar a mesma solidão. Mas há o medo, que é agravado pela sensação de insignificância em relação ao mundo violentamente competitivo e individualista que se formou com a evolução do Capitalismo. As pessoas passam a ser instrumentos, peças, das maquinas de geração de capital. Somos levados e condicionados para fins extra-pessoais e parece impossível ir na contra-mão. A conformidade social é exigida a todo tempo que quase sempre desemboca na negação de si mesmo, da sua personalidade e individualidade madura. O medo de ser só e a sensação de impotência está na humanidade desde os primeiros momentos.

A sociedade reage com rejeição e violência para aqueles que não se ajustam socialmente, como um mecanismo de defesa para proteger a integridade de seu sistema, por mais perverso que seja. Ou seja, as pessoas que aceitam e vivem a ilusão da nossa sociedade capitalista, de negar a si mesmo como solução dos problemas existenciais, irão fazer por onde manter indestrutível essa ilusão que torna a suportável e uma repetição infernal e mecânica.

A violência primeira é a negação de si, e depois a negação de qualquer outro individuo, assim como a pessoa instrumentaliza a si, instrumentaliza aos outros em sua relação, violentando suas verdadeiras essências humanas. Aqueles que não capazes de se ajustar ou submeter ao modo de vista capitalista ou de renunciar a si mesmos serão atacados abertamente, além da instrumentalização deverão ser expurgados para que não ameacem a sociedade, como bebes espartanos julgados incapazes sendo jogados de cima do penhasco. Fica notório como nossa cultura tem como recurso de manutenção a violência generalizada da essência humana. A sociedade capitalista é tão frágil que precisa a todo tempo agredir como um animal arisco para evitar ser decifrada e o príncipe virar sapo.


















“Quem me dera
Ao menos uma vez
Entender como um só Deus
Ao mesmo tempo é três
Esse mesmo Deus
Foi morto por vocês
Sua maldade, então
Deixaram Deus tão triste.”  .... (Legião Urbana Indíos)





Alguns dos que não conseguem ou não querem ajustar-se a sociedade por sentirem sua integridade ameaçada terminam por reagir de maneira violenta como um animal, embora não seja a melhor das reações. Alguns que tentam se ajustar se frustram em suas tentativas, ou mesmo em qualquer tentativa de anular a solidão ou de obter felicidade, a frustração pode ter como reação a violência por sensação inconsciente de seguir ameaçado em sua individualidade pela solidão e pela sensação de insignificância, que é acentuada pela sensação de fracasso na nossa sociedade altamente competitiva. A posse, o poder e o prestígio aliviam as angústias na medida em que masturbam o ego, podendo por a pessoa em uma luta selvagem por isso, decidas a rifar tudo por eles, até mesmo vender a alma ao demônio da Wall Street. Os episódios de Nazismo na Alemanha tiveram características similares.  “Is this the world we created ?”, assim cantava Fred Mercury no seu lamento.

Agora parece possível perceber como o senso cada vez mais comum de que “o homem é bicho ruim” é na verdade uma assimilação intuitiva de uma característica essencial do sistema social em que vivemos. Assimilação de uma sensibilidade auto-destrutiva e de negação do outro, levando as pessoas com isso a se tornarem descrentes da possibilidade de anularem sua solidão vivendo bem com as outras pessoas sem destruírem suas personalidades ou individualidades – que é a única possibilidade de redenção da solidão e do uso positivo da liberdade.

Eu me recuso completamente a acreditar que alguém possa ser ruim por natureza, especialmente para que um dia eu não queira destruir a mim mesmo qualquer dia desses. Não se trata de aceitar a violência ou de chamar quem é perverso de bonzinho, sendo advogado do diabo mas ter seriedade na hora de se aproximar do outro para compreendê-lo e perceber que assim como eu qualquer pessoa nasce sem livre e as leis ou regras morais são posteriores. Se uma pessoa prefere cuidar de si e dos outros ou prefere apertar o botão da bomba atômica isso coloca jogo muitos fatores da vida e da sociedade. Não tem nada a ver com índole ou natureza má. – Pelo Amor de Deus é preciso ter cuidado com o que pensamos e vivemos.


Tulio Miranda


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